quarta-feira, 25 de abril de 2012

Epílogo de "Réquiem: Um Ciclo de Poemas"

2

Uma vez mais volta o Dia da Lembrança.
Vejo, ouço, sinto por vocês todas:

aquela que mal conseguiu chegar ao fim,
aquela que já não vive mais em sua terra,

aquela que, balançando a bonita cabeça,
disse: “Volto aqui como se fosse o meu lar”.

Gostaria de poder chamá-las, a todas, por seus nomes,
mas levaram a lista embora, e onde posso me informar?

Para elas teci uma ampla mortalha
com suas pobres palavras que consegui escutar.

Sempre e em toda parte hei de lembrar-me delas:
delas não me esquecerei, nem numa nova miséria.

E se tamparem a minha boca fatigada,
através da qual jorra um milhão de gritos,

que seja a vez de todas elas me lembrarem,
na véspera do meu Dia da Lembrança.

E se, neste país, um dia decidirem
à minha memória erguer um monumento,

eu concordarei com essa honraria,
desde que não me façam essa estátua

nem à beira do mar, onde nasci –
meus últimos laços com o mar já se romperam –,

nem no jardim do Tsar, junto ao tronco consagrado,
onde uma sombra inconsolável ainda procura por mim,

mas aqui, onde fiquei de pé trezentas horas
sem que os portões para mim se destrancassem;

porque, mesmo na morte abençoada, tenho medo
de esquecer o som surdo das Marias Pretas,

de esquecer como os odiosos portões estalavam
e como a velha gemia qual animal ferido.

Das pálpebras imóveis, das pálpebras de bronze,
deixem que corram lágrimas qual neve fundida,

deixem que as pombas da prisão arrulhem na distância
e que os barcos deslizem em silêncio sobre o Neva.

* Trecho do poema "Réquiem: Um Ciclo de Poemas". De Anna Akhmátova. 1940. Tradução de Lauro Machado Coelho.


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